sexta-feira, 8 de setembro de 2023

Proteção ao denunciante. Garantia de anonimato e de proteção de dados pessoais são suficientes?

 


A figura do denunciante torna-se um importante instrumento no combate à corrupção e a condutas ilegais, irregulares e antiéticas, bem como representa um exercício da cidadania participativa. Exige-se, para tanto, que haja uma proteção integral, com mecanismos efetivos  de garantia. Ao proteger o denunciante, fomenta-se a participação democrática e a efetividade alcançada pelo direito à informação.

As Leis nºs. 12.527, de 2011, (Lei de Acesso à Informação), 13.460, de 2017, (Código de Defesa dos Usuários de Serviços Públicos) e 13.709, de 2018, (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais)  confluem para a proteção de informações de titulares de dados, dentre eles os usuários que apresentam denúncia às Ouvidorias.

Reforçam as bases do microssistema acima referido as salvaguardas instituídas pelo Decreto 10.890, de 09 de dezembro de 2021 que, com base no art. 10, §7º da Lei nº 13.460, de 26 de junho de 2017, dispôs que desde o recebimento da denúncia, todo denunciante terá sua identidade preservada, que deverá ser mantida com restrição de acesso pelo prazo de que trata o art. 31, §1º, I, da Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011, ou seja, 100 (cem anos).

De acordo com referido normativo, a preservação da identidade dar-se-á com a proteção do nome, endereço e quaisquer elementos de identificação do denunciante, que ficarão com acesso restrito e sob a guarda exclusiva da unidade de ouvidoria responsável pelo tratamento.

De igual sorte, o diploma legal em estudo estabeleceu que os  sistemas informatizados que façam o tratamento de denúncias com elementos de identificação do denunciante deverão possuir controle de acesso e permitir a identificação precisa de todos os agentes públicos que as acessem e protocolos de internet (endereço IP), com as respectivas datas e horários de acesso.

O decreto ainda destaca que a unidade de ouvidoria responsável pelo tratamento  deverá providenciar a pseudonimização da denúncia recebida para envio às unidades de apuração competentes para realizar a sua análise, sendo certo que oss elementos de identificação do denunciante poderão ser solicitados pelo agente público responsável pela apuração da denúncia, demonstrada a necessidade de conhecê-la.

Restou ainda determinado que o encaminhamento de denúncias com elementos de identificação entre unidades de ouvidoria deverá ser precedido do consentimento do denunciante e, no caso de negativa ou ausência de consentimento, a unidade que tenha recebido originalmente a denúncia somente poderá encaminhá-la ou compartilhá-la após a sua pseudonimização.

O questionamento que surge é: essas medidas, por si só, são sufcientes para que os indivíduos que experimentam ou presenciam prráticas de fraude, corrupção, assédio ou outros atos de má conduta se sintam seguros para reportar tais ocorrências e expressar suas preocupações?

Não. É natural que as pessoas só se sintam seguras para denunciar (e testemunhar) se tiverem confiança de que a Organização implementou políticas de não retaliação e mecanismos de recepção de manifestações que funcionem efetivamente, pois assim confiarão que suas preocupações serão levadas a sério, que haverá responsabilização dos envolvidos e, mais importante, que estarão protegidas contra qualquer forma de retaliação presente ou futura.

Em outras palavras, possibilitar o anonimato e adotar salvaguardas de proteção à identidade do denunciante não são medidas suficientes. Há que que se avançar para a instituição de políticas antirretaliação que disponham de anteparos trabalhistas e processuais a favor do denunciante, da vítima e de eventuais testemunhas até dois anos (ou mais) do término do processo disciplinar, sindicância ou procedimento apuratório correlato.

Nessa perspectiva, desde que diretamente relacionadas com o ato de reportar/testemunhar, mencionados agentes estariam protegidos de ações ou ameaças: a) de rescisão ou suspensão do emprego; b) não renovação do contrato; c) rebaixamento ou negação de oportunidades de promoção; d) transferência para um cargo, departamento ou local de trabalho diferente; e) retenção de aumentos salariais, benefícios ou subsídios; f) avaliações de desempenho desfavoráveis; g) comentários ou observações ofensivas; h) perda de relacionamentos ou isolamento; i) remoção de funções, responsabilidades e/ou oportunidades de viagem; j) exclusão de uma equipe ou projeto; entre outras possíveis ações persecutórias.

Também teriam direito de serem ouvidos em ambiente que ofereça privacidade e confidencialidade do relato,  sem a presença do denunciado e antes dele, seja qual for o formato da escuta (presencial ou virtual), bem como em data e hora previamente ajustadas.

De igual sorte, se o relato e as provas colhidas forem compartilhadas com outros órgãos de controle para apurações externas, que os dados pessoais do denunciante, da vítima e das testemunhas sejam acautelados em autos apartados e só fiquem disponíveis para os agentes que necessitam apurar os fatos, com a respectiva manutenção do Termo de Transferência de Sigilo.

Por fim, é de crucial importância que o programa e/ou política de não retaliação tenha a previsão de medidas cautelares proativas, por iniciativa própria da autoridade ou comitê competente ou a pedido do denunciante, vítima ou testemunha, a fim de prevenir retaliação, desde que haja fundado receio de que ela ocorra.

Essas medidas protetoras podem incluir, por exemplo: a) recomendar que o indivíduo em questão e/ou a pessoa contra a qual a divulgação foi feita seja temporariamente removida de seu cargo, mediante transferência temporária ou licença especial; b) emitir uma determinação de proibição de contato para evitar qualquer interação entre o indivíduo em questão e a pessoa contra a qual foi feita uma divulgação; c) monitorar a situação no local de trabalho do indivíduo para evitar qualquer tipo de retaliação.

 

A Organização que estimula a participação e o controle social, implementando canais adequados de comunicação e de recebimento de denúncias deve estar igualmente comprometida em oferecer a máxima proteção possível para os públicos que se dispõem a relatar preocupações que impactam a sua boa governança, suas operações, seus interesses ou a sua reputação.  

 

 


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