sábado, 16 de março de 2019

Apenas ouça.




Ouvindo "I hear you now", de John Anderson e Vangelis, me veio a mente um trecho do belíssimo poema "Hear the voice", de William Blake:

                                                   "Hear the voice of the Bard,

                                            Who present, past, and future, sees;

                                                   Whose ears have heard

                                                      The Holy Word

                                              That walk'd among the ancient trees...."


Coincidentemente, celebramos hoje, 16 de março, o Dia Nacional do Ouvidor, função que exerci até dias atrás e que me fez compreender o quão delicada e complexa é a missão de ouvir o outro, bem como ouvir a mim mesma. 

Ao contrário dos Bardos referidos por Blake, trovadores que disseminavam histórias e cantigas pela Europa de antigamente, o tempo todo cantando e contando a vida em suas múltiplas facetas, ser Ouvidor é estar disponível para ouvir o enredo da vida dos outros, estar atento para os sons e para as vozes do mundo e para o silêncio das entrelinhas, ter controle da própria fala e dos ruídos internos, que tanto interferem no processo do escutar mais profundo.

A vida, desde a concepção, está ligada à fala e à escuta. O primeiro órgão a se formar no feto é o ouvido e é através da audição que o bebê ouve o pulsar do coração materno e identifica a voz da mãe, o timbre que é sinônimo de paz, aconchego e segurança.

Rudolf Steiner, filósofo e fundador da Antroposofia, sustenta que não temos apenas cinco sentidos, mas sim 12 e, dentre eles, a audição pertence a um grupo superior, mais requintado e conectado à alma, ao pensamento e à consciência. Eu concordo com ele,

Mas se ouvir é tão importante, porque no mundo de hoje sobram falantes e faltam ouvintes???? Much ado about nothing, como diria o outro William, o Shakespeare. 

Psiu!!!! Silêncio, por favor!!!! Quem fala muito, pouco ou quase nada ouve!

Vivemos numa era de faladores ansiosos que interrompem o interlocutor a todo instante, sem paciência para aguardar o término da fala do outro, uma geração de egocêntricos e faladores compulsivos, que discursam longamente sobre si e suas  visões de mundo, transformando qualquer conversa num monólogo interminável e enfadonho. Não há pausa, tempo, espaço e disponibilidade para o próximo.

Escutar com atenção e interesse renovados é um bálsamo para a febre humana que faz com que pessoas se desconectem de tudo e de todos, numa espécie de auto-exílio emocional. Em decorrência dessa "não escuta" um dia acabarão descobrindo que aquele velho amigo não passa de um mero desconhecido ou, que o companheiro de anos é um mistério, pois o "ouvir no automático" virou rotina, tornou-se um vazio de sentidos, quiçá uma espécie de surdez seletiva, tão comum na atualidade.

Em tempos de redes sociais, profusão de selfs artificiais, dizeres superficiais, do tipo "cola e copia", urge resgatar a verdadeira escuta, plena de sentimentos e sentidos que digam mais sobre o ser e o estar presente no momento, com a mente e o coração abertos para a beleza da vida em todas as suas circunstâncias.  

Bem-aventurados aqueles que compreenderam que o amor começa na escuta, quando se está em silêncio, por dentro e por fora.