sexta-feira, 24 de junho de 2011

Anotações sobre os diversos "eus"


"Nous sommes tous de lopins et d'une contexture si informe et diverse, que chaque pièce, chaque moment, faict son jeu. Et se trouve autant de difference de nous à nous mesmes, que de nous à autruy".


(Somos todos retalhos de uma textura tão disforme e diversa que cada pedaço, a cada momento, faz o seu jogo. E existem tantas diferenças entre nós próprios como entre nós e os outros). Michel de Montaigne, Ensaios, Segundo Volume, I.



Cada um de nós é vários, é muitos, é uma prolixidade de si mesmos. Por isso aquele que despreza o ambiente não é o mesmo que dele se alegra ou padece. Na vasta colônia do nosso ser há gente de muitas espécies, pensando e sentindo diferentemente.

Fernando Pessoa, Livro do desassossego, anotações de 30/12/1932.





Sei lá! Sei lá! Eu sei la bem

Quem sou? Um fogo-fátuo, uma miragem...

Sou um reflexo....um canto de paisagem

Ou apenas um cenário! Um vaivém

(...)

Sou um verme que um dia quis ser astro...

Uma estátua truncada de alabastro....

Uma chaga sangrenta do Senhor....

Florbela Espanca - Minha Culpa, Sonetos.

“... se todas as coisas são o um, por que o um se torna múltiplo? Se há somente um eu profundo, por que os homens imaginam que há muitos eus? (...) o homem imagina que cada ser possui um eu separado(...)". Alan Watts (www.alanwatts.com)




quarta-feira, 22 de junho de 2011

Veritatis Splendor

O esplendor da verdade.

A verdade é simples e quase sempre revela-se de forma natural, amiúde, em poucas ou nenhuma palavra. Sensação e intuição.

Já o ato de querer convencer o outro de que a sua "verdade" é a mais verdadeira, costuma consumir a energia de uma vida inteira, confeccionada num dicionário de infinitos fascículos.

Discursos rebuscados, argumentações aporéticas e zetéticas falham quando deixam de enxergar a luz e ocupam-se das sombras refletidas na caverna. Dúvida retórica e conveniente.

Há coisas que simplesmente existem, perenes e atemporais, independentemente da idéia que o seres fazem dela e do caminho percorrido por aqueles que a refutam ou a aceitam.

A transitoriedade da condição humana ante ao paradoxo do desejo de eternização do ser.

Névoa que dissipa-se através do conhecimento e da sabedoria, transforma-se em libertação, em contraponto à escravidão das "verdades" impostas.

domingo, 19 de junho de 2011

Tempos modernos: da inquisição à normose.




Como bem afirma Rubem Alves, "as inquisições não são monopólio das igrejas e não se fazem só com lenha e fogo".

Pensando nesta frase, tem se que, dependendo da ideologia dominante, o discurso do poder pode encontrar justificativas das mais diversas para legitimar a "queima" de bruxas, feiticeiras e hereges" que ousem destoar do padrão imposto pelos "donos da verdade" e "senhores dos dois destinos".

Na minha inata rebeldia, de pronto identifiquei a idéia de Rubem Alves com os ensinamentos do Padre francês Jean - Yves Leloup (quem me conhece sabe o quanto eu não gosto de padres, mas este é um das poucas exceções....), tão bem transmitidos pelo inesquecível Professor Pierre Weil, da Unipaz, tive a honra de conhecer durante um breve curso sobre conciliação (a arte de viver em paz), em 2008, meses antes de seu desncarne.
Leloup forjou o conceito de normose, como uma doença da modernidade e da normalidade, onde a ambição desmedida e a ausência de ética nas relações humanas são a marca registrada. É uma extensão da famosa "Lei do Gerson", onde o que importa é levar vantangem em tudo. Para a maioria, tudo muito normal, pois os fins justificam os meios. Numa sociedade exgeradamente consumista, onde o ter é mais importante do que o ser, nada mais propício para turbinar a "geração do super" (relações superficiais, saber supérfluo, consumo superlativo, egos superexpostos, arrogância superabundante, etc).

De acordo com os citados mestres, a pessoa acometida pela normose, é extremamente egoísta, vaidosa e gananciosa. Seres desta estirpe geralmente são perigosos para a humanidade, já que não levam em conta o outro e toda a sua diversidade. Antes, deseja extirpá-lo da face da terra. Pior, essa "doença" é cumulativa e, quanto mais o tempo passa, mais os "standarts" vão sendo aceitos e introjetados na consciência coletiva, fortalecendo e legitimando padrões de comportamento duvidosos, o que torna a cura uma tarefa muito difícil, já que boa parte da sociedade, quando não adere aos "modismos", nada faz para combater as causas de tão perigosa patologia (o comodismo habitual das massas, tão acostumadas a serem tangidas).

Por essas e outras que sempre digo: Eu não sou uma pessoa normal! Nunca fui.

"Queimar" em praça pública, para mim é só mais um motivo de orgulho, pois revela a coerência entre os meus princípios e a minha conduta diária, dentro e fora de casa.

Minha mãe sempre diz: desconfie das pessoas normais demais......invariavelmente atrás das "capas de cordeiros", moram lobos e serpentes prontas para dar o bote.

Como toda mãe é meio bruxa, não custa nada tomar cuidado né!