segunda-feira, 14 de dezembro de 2020

Somos hóspedes

 


A existência é de uma precariedade sem tamanho, pois no mesmo instante em que nascemos já estamos a morrer um bocadinho a cada dia e sem parar, na certeza de que partiremos como chegamos: sem nada levar.
E mesmo diante do efêmero, da provisoriedade do ser e estar, muita energia vital é desperdiçada em nome do ter (bens, títulos, status), sem muita preocupação com a essência, com o bem viver em termos de experiências, sentimentos, sensações e emoções.
E nesse ciclo evolutivo somos apanhados de surpresa (pobres e nus, como bem disse Fernando Sabino)  quando compreendemos que nada é nosso e tudo nos é emprestado. 
Somos hóspedes da nossa própria casa, proprietários transitórios durante o tempo que tivermos de vida. Somos hóspedes do Planeta Terra e do corpo material (vestes físicas) com o a qual atravessaremos a existência. 
E após a nossa partida para outra dimensão continuaremos hóspedes nas lembranças daqueles que com quem tivemos uma convivência mais próxima.....saudades, fotos e um legado feito de momentos (nem sempre felizes), fragmentos de uma ausência quiçá sentida.
E pouco a pouco os ciclos vão se encerrando, as inexoráveis mudanças se impõem (físicas, de endereço, de interesses), além da diminuição paulatina da bagagem (dos pesos, das expectativas, do tônus muscular) até que venha o último suspiro.
Errática e errante, vou seguindo viagem com a consciência que as perdas e os necessários abandonos que fui protagonizando durante a jornada fez-me o que eu sou e tornou-me única, disponível e  presente no aqui e no agora.

"E se um dia hei de ser pó, cinza e nada, que seja minha noite uma alvorada, que eu saiba me perder para me encontrar..." (Florbela Espanca).