A figura do denunciante torna-se um importante instrumento no
combate à corrupção e a condutas ilegais, irregulares e antiéticas, bem como
representa um exercício da cidadania participativa. Exige-se, para tanto, que
haja uma proteção integral, com mecanismos efetivos de garantia. Ao proteger o denunciante,
fomenta-se a participação democrática e a efetividade alcançada pelo direito à
informação.
As Leis nºs. 12.527, de 2011, (Lei de Acesso à Informação),
13.460, de 2017, (Código de Defesa dos Usuários de Serviços Públicos) e
13.709, de 2018, (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais) confluem para a proteção de informações de
titulares de dados, dentre eles os usuários que apresentam denúncia às
Ouvidorias.
Reforçam as bases do microssistema acima referido as
salvaguardas instituídas pelo Decreto 10.890, de 09 de dezembro de 2021
que, com base no art. 10, §7º da Lei nº 13.460, de 26 de junho de 2017, dispôs
que desde o recebimento da denúncia, todo denunciante terá sua identidade
preservada, que deverá ser mantida com restrição de acesso pelo prazo de que
trata o art. 31, §1º, I, da Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011, ou seja,
100 (cem anos).
De acordo com referido normativo, a preservação da identidade
dar-se-á com a proteção do nome, endereço e quaisquer elementos de
identificação do denunciante, que ficarão com acesso restrito e sob a guarda
exclusiva da unidade de ouvidoria responsável pelo tratamento.
De igual sorte, o diploma legal em estudo estabeleceu que os sistemas informatizados que façam o tratamento
de denúncias com elementos de identificação do denunciante deverão possuir
controle de acesso e permitir a identificação precisa de todos os agentes
públicos que as acessem e protocolos de internet (endereço IP), com as
respectivas datas e horários de acesso.
O decreto ainda destaca que a unidade de ouvidoria
responsável pelo tratamento deverá
providenciar a pseudonimização da denúncia recebida para envio às unidades de
apuração competentes para realizar a sua análise, sendo certo que oss elementos
de identificação do denunciante poderão ser solicitados pelo agente público
responsável pela apuração da denúncia, demonstrada a necessidade de conhecê-la.
Restou ainda determinado que o encaminhamento de denúncias
com elementos de identificação entre unidades de ouvidoria deverá ser precedido
do consentimento do denunciante e, no caso de negativa ou ausência de
consentimento, a unidade que tenha recebido originalmente a denúncia somente
poderá encaminhá-la ou compartilhá-la após a sua pseudonimização.
O questionamento que surge é: essas medidas, por si só, são
sufcientes para que os indivíduos que experimentam ou presenciam prráticas de fraude,
corrupção, assédio ou outros atos de má conduta se sintam seguros para reportar
tais ocorrências e expressar suas preocupações?
Não.
É natural que as pessoas só se sintam seguras para denunciar (e testemunhar) se
tiverem confiança de que a Organização implementou políticas de não retaliação e
mecanismos de recepção de manifestações que funcionem efetivamente, pois assim confiarão
que suas preocupações serão levadas a sério, que haverá responsabilização dos
envolvidos e, mais importante, que estarão protegidas contra qualquer forma de
retaliação presente ou futura.
Em outras palavras, possibilitar o anonimato e adotar
salvaguardas de proteção à identidade do denunciante não são medidas suficientes.
Há que que se avançar para a instituição de políticas antirretaliação que disponham
de anteparos trabalhistas e processuais a favor do denunciante, da vítima e de
eventuais testemunhas até dois anos (ou mais) do término do processo disciplinar,
sindicância ou procedimento apuratório correlato.
Nessa perspectiva, desde que diretamente relacionadas com o
ato de reportar/testemunhar, mencionados agentes estariam protegidos de ações
ou ameaças: a) de rescisão ou suspensão do emprego; b) não renovação do
contrato; c) rebaixamento ou negação de oportunidades de promoção; d)
transferência para um cargo, departamento ou local de trabalho diferente; e)
retenção de aumentos salariais, benefícios ou subsídios; f) avaliações de
desempenho desfavoráveis; g) comentários ou observações ofensivas; h) perda de
relacionamentos ou isolamento; i) remoção de funções, responsabilidades e/ou
oportunidades de viagem; j) exclusão de uma equipe ou projeto; entre outras
possíveis ações persecutórias.
Também teriam direito de serem ouvidos em ambiente que
ofereça privacidade e confidencialidade do relato, sem a presença do denunciado e antes dele, seja
qual for o formato da escuta (presencial ou virtual), bem como em data e hora previamente
ajustadas.
De igual sorte, se o relato e as provas colhidas forem
compartilhadas com outros órgãos de controle para apurações externas, que os
dados pessoais do denunciante, da vítima e das testemunhas sejam acautelados em
autos apartados e só fiquem disponíveis para os agentes que necessitam apurar
os fatos, com a respectiva manutenção do Termo de Transferência de Sigilo.
Por fim, é de crucial importância que o programa e/ou política
de não retaliação tenha a previsão de medidas cautelares proativas, por
iniciativa própria da autoridade ou comitê competente ou a pedido do
denunciante, vítima ou testemunha, a fim de prevenir retaliação, desde que haja
fundado receio de que ela ocorra.
Essas medidas protetoras podem incluir, por exemplo: a) recomendar
que o indivíduo em questão e/ou a pessoa contra a qual a divulgação foi feita
seja temporariamente removida de seu cargo, mediante transferência temporária
ou licença especial; b) emitir uma determinação de proibição de contato para
evitar qualquer interação entre o indivíduo em questão e a pessoa contra a qual
foi feita uma divulgação; c) monitorar a situação no local de trabalho do
indivíduo para evitar qualquer tipo de retaliação.
A Organização que estimula a participação e o controle
social, implementando canais adequados de comunicação e de recebimento de
denúncias deve estar igualmente comprometida em oferecer a máxima proteção possível
para os públicos que se dispõem a relatar preocupações que impactam a sua boa
governança, suas operações, seus interesses ou a sua reputação.