sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Tributo à Bela

Fernando Pessoa deixa datilografado, sem data, um poema, que fez parte de seu espólio.

À memória de Florbela Espanca

Dorme, dorme, alma sonhadora,
Irmã gêmea da minha!
Tua alma, assim como a minha,
Rasgando as nuvens pairava
Por cima dos outros,
À procura de mundos novos,
Mais belos, mais perfeitos, mais felizes.
Criatura estranha, espírito irrequieto,
Cheio de ansiedade,
Assim como eu criavas mundos novos,
Lindos como os teus sonhos,
E vivias neles, vivias sonhando como eu.
Dorme, dorme, alma sonhadora,
Irmã gêmea da minha!
Já que em vida não tinhas descanso,
Se existe a paz na sepultura:
A paz seja contigo!

À Florbela
(em sua memória)


Sou eu, Florbela! Aquele que buscaste.
Falam de mim Teus versos de Menina.
Tua boca p’ra mim se abriu, divina,
mas foi só o Luar que Tu beijaste.


Hás-de voltar, Florbela!… Em débil haste,
por entre os trigos cresce, purpurina,
a mais fresca papoila da campina
que, só por me veres, não cortaste.


Eu tenho três mil anos: sou Poeta.
Surgi dos lábios secos dum asceta,
de uma oração que Deus deixou de parte.


Redimi tantos corpos, tantas vidas
neles vivi, que sinto já nascidas
asas com que subir para alcançar-Te
(…)

Sebastião da Gama
Arrábida, 6-11-1943