sábado, 10 de agosto de 2019

Uma questão de vida.



De frente para o espelho, a três meses de mudar a faixa de rotação (5.4), noto que continuo a mesma de 45 anos atrás, pelo menos na essência tagarela e questionadora, já que meus cabelos....quanta diferença!
Lembro-me que passava horas deitada no quintal,  ainda menina, olhando para céu e prestando atenção no movimento ininterrupto das nuvens, querendo saber para onde elas estavam indo e, muitas vezes, reconhecendo nelas formatos de variados animais, que estavam ali disfarçados para sobreviverem aos perigos da selva....ainda posso sentir o calor gostoso do piso feito de caquinhos de ladrilhos vermelhos nas minhas costas.
Mais tarde, já na adolescência, me pegava querendo saber quem eram aquelas pessoas que estavam sentadas nos assentos próximos às janelas do ônibus que fazia o trajeto contrário àquele em que eu estava, a caminho da escola....me perguntava se eram felizes, se eram amadas, para onde estavam indo....até hoje essa sensação de ter para onde e para quem voltar depois de um dia de trabalho é muito forte na minha vida. 
Realmente, como bem referido numa pesquisa que li tempos atrás (https://ciencia.estadao.com.br/blogs/ciencia-diaria/personalidade-na-infancia-pode-dar-fortes-indicios-de-comportamento-na-fase-adulta/), muito da nossa personalidade se forma na infância e determina comportamentos da nossa vida adulta. Sinto-me contemplada nesse estudo, pois comigo não foi diferente. Eu não mudei absolutamente nada da criança curiosa, destemida, impulsiva e inquieta que eu fui. 
Minha mãe, na quarta gravidez, conta que rezou muito pra que viesse mais uma menina, pois já tinha a Eta, o Tuca e o Pedro e queria muito empatar o jogo com dois casais, ela só não esperava que a menina (eu) seria tão ou mais sapeca que os seus filhos homens, uma perfeita maria-moleca que nem de longe seria entretida com bonecas no berço, laços cor-de-rosa e coisas do gênero.....me encantava a liberdade da rua, a dança sensual da pipa no ar, os jogos de bola, taco....o frio na barriga nas descidas com carrinho de rolemã, o desafio de acertar o maior número possível de bolinhas de gude dentro do triângulo, o rodopiar sem fim do pião de madeira... 
Com tempo, as brincadeiras foram substituídas pela paixão pelos livros, pela poesia, pela música e as "viagens" sem sair do lugar que só a arte poderia propiciar. Também nessa época passei a gostar de customizar minhas camisetas, alpargatas e transformar minhas bijuterias em peças diferentes e únicas. Sim, eu era quase uma hippie kkk.  
E nessa retrospectiva vejo que bastava um olhar atento para a criança e para a adolescente que eu fui, para ter noção da mulher que eu me tornaria na vida adulta. As pistas estavam todas lá. Bem sei que as experiências que vivi nessa caminhada forjaram algumas características pessoais e acabou determinando comportamentos que mantenho no dia-a-dia, mas o principal, o essencial, já estava em mim desde menina e só foi reforçado com o passar dos anos.
Nessa altura do campeonato resta claro pra mim que quem nasceu para surfar nas tempestades, nunca será feliz deitada nos verdes campos da calmaria. 
É uma questão de vida ou morte.
Eu, como sempre, escolho a vida.