Escrevi esse artigo em abril de 2020, o qual foi publicado no site "O Consumerista", plataforma que foi descontinuada em 2023.
Trago aqui para registro e posterior citação.
Ouvidoria Pública em tempos de crise
O atual cenário político-econômico brasileiro mostra-se bastante
conturbado, por motivos diversos, os quais não serão aqui pontuados, por mais
que influenciem diretamente as relações do cidadão com as instituições públicas
e privadas, haja visa que o objeto da presente análise é a Ouvidoria Pública, enquanto canal de
ausculta da sociedade e instrumento de validação do cidadão como ente
importante no processo democrático e na gestão participativa da coisa pública
e, seu relevante papel em momentos de convulsão social.
Em tempos de crise, onde as dificuldades se agigantam, é comum que
as relações sociais assumam um tom reivindicatório mais intenso. O cidadão
passa a questionar com mais assiduidade os governantes e suas opções políticas,
na mesma proporção que exercem com mais veemência os direitos de cidadania,
principalmente aqueles ligados ao princípio da participação social e o da
transparência ativa e passiva da Administração Pública.
Nesse contexto de ebulição a Ouvidoria Pública surge, mais do que
nunca, como um catalisador dos anseios sociais, uma caixa de ressonância dos
reclamos da população, um para-raios da tensão que verte da sociedade que sofre
com os efeitos nefastos da falta de políticas públicas em áreas essenciais, da
caristia e dos incessantes abalos dos valores básicos da vida política, os
quais retroalimentam uma espiral de desconfiança quanto à legitimidade das
instituições e instâncias governamentais.
Em busca de amenizar tais impactos e, ante ao crescente número de
demandas levadas às Ouvidorias Públicas e imbricadas com tais controvérsias,
cabe aos Ouvidores Públicos a missão de transformar esse amálgama de
reclamações e pedidos de providências em campo fértil de oportunidades para
cooperação, participação e mudanças de paradigmas, identificando e explorando,
ao máximo, os potenciais de mobilização da equipe, quais sejam: conhecimento
(saber); habilidades (saber-fazer) e atitudes (saber ser/agir), com vistas a um
trabalho de excelência no atendimento do cidadão.
É vital acolher o cidadão e, após uma escuta ativa e humanizada,
interpretar seus anseios, mediar e conciliar os conflitos que estão subjacentes
às suas demandas e, principalmente, com sensibilidade e firmeza, persuadir os
responsáveis pelas possíveis soluções que as concretizem, num prazo razoável,
tudo em prol de uma efetiva prestação de serviços ao cidadão, que é, antes de
mais nada, um sujeito de direitos e como tal tem que ser tratado.
Situações de turbulência como as vivenciadas na atualidade
requerem uma atuação mais proativa do Ouvidor que, com habilidade e equilíbrio,
avaliará a demanda posta e buscará alternativas para uma melhor resolução do
problema trazido pelo cidadão. A título exemplificativo, em manifestações que
envolvem questões de superendividamento, empréstimos e resgate da cidadania
financeira, o manifestante pode ser orientado a buscar auxílio junto ao Banco
Central, que criou o Cidadania Financeira, programa voltado para a promoção da
educação financeira e que visa garantir proteção aos consumidores de serviços
financeiros ou, junto ao TJDFT, que criou no âmbito dos Centros Judiciários de
Solução de Conflitos e Cidadania – CEJUSCs, o Programa de Prevenção e
Tratamento de Consumidores Superendividados, que tem o objetivo de promover a prevenção, o
tratamento e a resolução amigável de conflitos envolvendo consumidores em
situação de superendividamento, oferecendo oficina de educação financeira,
orientações financeira e psicossocial individualizadas e solução consensual dos
conflitos com os credores, por meio de palestras e mesas redonda.
Como se vê, é muito importante para o fortalecimento das
Ouvidorias Públicas construir um relacionamento sólido com outros entes
governamentais e demais atores sociais, trabalhando de forma articulada e
conexa entre si, de forma colaborativa e não hierarquizada e, em favor do
cidadão, numa perspectiva de rede, onde as ações se complementem e se
harmonizem, pois só faz sentido a existência de ouvidorias que estejam
integradas com o todo, como uma célula que compõe o organismo vivo do Estado,
engrenagem essencial para o perfeito funcionamento do complexo mecanismo da
Administração Pública.
Por outra ótica, em muitos órgãos públicos também cabe à Ouvidoria
a gestão do canal do SIC - Serviço de Informação ao Cidadão, implementado para
atender às exigências da Lei de Acesso à Informação, nº 12.527 de 18 de
novembro de 2011 e que ampliou sobremaneira a participação cidadã no controle
da gestão pública.
Referida ferramenta ganhou um contorno especial nesse período em
que a população tem procurado se inteirar mais sobre os atos dos governantes,
pois facilita a busca de informações mais pormenorizadas sobre gastos,
políticas públicas e gestão do erário. Não é demais afirmar que o cidadão
despertou para a importância da transparência dos atos da administração pública
e que o acesso à informação passou a ser a regra.
Neste particular aspecto, também cabe às Ouvidorias Públicas esse
papel pedagógico de orientar e indicar ao cidadão quais os caminhos mais
adequados para ter a sua demanda atendida, ou seja, se a sua intenção é de
criticar, elogiar, pedir providências, denunciar ou fazer sugestões, ele terá a
disposição o canal da Ouvidoria. Já se o seu objetivo for ter acesso à
informação produzida e sob a guarda de algum órgão ou entidade pública, o canal
correto é o do SIC - Serviço de Informação ao Cidadão.
Assim, resta evidente a importante contribuição das Ouvidorias
Públicas na construção de uma sociedade mais bem informada, com direitos
humanos ainda mais protegidos e cidadania concretizada, reflexo de cidadãos
mais conscientes de seus direitos e responsabilidades coletivos e de
administrações públicas mais transparentes, eficientes e eficazes na prestacão
de serviços.
Por fim, cabe destacar que
o desenvolvimento dessa teia de competências, com certeza mudará a perspectiva
que sem tem hoje da Ouvidoria Pública, que além de importante canal de
comunicação entre o cidadão e o órgãos públicos, há que ser compreendida,
também, como unidade de inteligência, com plena capacidade de sistematização de
informações e de elaboração de indicadores, assim como uma área de produção de
resultados, criando um círculo positivo e virtuoso, com reflexos na
consolidação da confiança do cidadão nas instituições, legitimando-as enquanto
instrumentos de concretização da cidadania e do Estado Democrático de Direito.
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