domingo, 17 de maio de 2020

Inquietação



Impossível ignorar os efeitos que essa pandemia tem causado no psiquê das pessoas, não só em razão do isolamento imposto, mas sobretudo por serem confrontadas diariamente com a inexorável finitude que nos aguarda, verdade que evitamos considerar, vivendo cada dia como se eternos fôssemos.
Em razão das limitações determinadas pelas autoridades nesse momento tão conturbado, muitos tem aproveitado esse período de recolhimento para organizar o armário, a casa, a vida, os pensamentos, os sentimentos....um tipo de tarefa que nos impõe um olhar pra dentro, um labor quase sempre solitário e que desperta múltiplas sensações e inquietações.
Encapsulados em nós mesmos por conta das contingências, começam os incômodos e questionamentos, aquela voz que procurávamos sempre abafar no dia-a-dia, ocupando-nos com inúmeros afazeres, agora dobrou a acústica e até quem está de fora escuta os ruídos e as murmurações, transmutados em desassossegos, insônia, lágrimas e dores somatizadas.
Eu não resisto a esse turbilhão de emoções, antes me deixo levar por essa onda avassaladora de autoconsciência, um chamado para que eu me dê conta, uma vez por todas, da minha real essência.
Os desconfortos que surgem invariavelmente sinalizam para a existência de espaços e situações em que eu não me encaixo mais, uma dedução lógica de que eu não contenho e nem sou contida pelas circunstâncias e acontecimentos que fluem dessas esferas. O que antes fazia algum sentido pra mim, agora me é indiferente. E não há nada de errado nisso. Estranho seria se eu não me desse o direito de evoluir, encerrando ciclos e inaugurando novas fases do viver, essa experiência alquímica e inquietante que exige de nós o estar disponível todos os dias para a novidade do mundo.