sábado, 25 de maio de 2019

Quando o mal do mundo é o outro




Dia desses li uma pequena frase que me fez pensar dias sobre suas possíveis implicações: "A cura da dor do mundo, começa com a nossa própria cura".
Parece simples, mas a assertiva nos traz uma responsabilidade gigante e uma necessidade de voltar o olhar para dentro, nós que estamos tão acostumados a imputar ao outro e a fatores externos todas as culpas pelos nossos fracassos, frustações e infelicidade.
A busca pela "própria cura" implica na aceitação da nossa condição humana, iminentemente imperfeita e falível. Requer a assunção dos erros cometidos e a coragem de contabilizar os resultados nefastos de atitudes impensadas e extremamente lesivas ao próximo.
Que tal olhar-se no espelho, deixar cair a máscara, acariciar feridas e acolher vulnerabilidades, medos e desassossegos, livrar-se da capa de super-homem e aceitar-se frágil e contraditório? Difícil, não é?
O x da questão é que estamos pouco dispostos a enfrentar a Hydra de Lerna que habita no recôndito de todo nós e encarar suas múltiplas, horrendas e regenerativas facetas com coragem e hombridade, decepando e queimando cada uma de suas cabeças com o fogo da persistência e da determinação.
O desafio é colossal e por isso não é de se admirar o quanto buscamos distrações externas e adiamos esse "encontro", desculpas que revelam o nível de resistência que temos em enfrentar nossas próprias sombras e prosseguir apesar delas e com elas. Alguns chegam ao cúmulo de querer que outros realizem essa hercúlea tarefa em seu lugar e não se conformam quando são confrontados com os efeitos da contumaz covardia e da cômoda paralisia que os acompanham durante parte de suas trajetórias pessoais e profissionais
E então vem a inexorável vida e cobra de forma implacável a fatura dos anos passados em brancas nuvens, vividos na ilusão confortável e perfumada dos véus de Samsara,  e nesse momento crucial há quem prefira adotar a postura de vítima e o discurso oportunista de que o mal do mundo é outro, submergindo, mais uma vez, em seu pântano particular, até sufocar qualquer sinal ou apelo íntimo por mudança.
"O mundo é de Deus, mas Deus o aluga aos corajosos". Ditado Espanhol
Que tenhamos coragem para permanecermos firmes em nossa jornada a fim de que a nossa missão pessoal seja cumprida.


     
 

segunda-feira, 20 de maio de 2019

Trabalho ou castigo?

Há tempos venho observando o quanto o trabalho pode ser um fardo penoso para algumas pessoas a ponto de adoecê-las, diminuindo sensivelmente sua produtividade e, invariavelmente, impactando negativamente o ambiente corporativo e a todos que, de alguma forma, lidam com indivíduos desmotivados e sem perspectivas. 
A desmotivação pode estar alicerçada em diferentes causas, desde a insatisfação com as tarefas a serem desempenhadas, ausência de contrapartida financeira adequada, até a sensação de impotência em exercer determinadas atividades que não geram resultados perceptíveis no contexto social, o famoso "enxugar gelo". Não se discute que há muitas situações que abalam o entusiasmo de qualquer cristão contudo, manter um contínuo padrão mental de insatisfação é que são elas. 
Ao mesmo tempo em que se percebe uma total falta de sintonia e de conexão entre quem faz com aquilo que se faz, também salta aos olhos o quanto pessoas infelizes com as funções que desempenham não se movimentam para buscar uma atividade gratificante e que lhe tragam mais prazer e possam expandir as suas potencialidades.
Em mais de 30 anos de serviço público tenho convivido com servidores que encontram-se em situação semelhante, desmotivados e sem grande aderência aos compromissos e às missões do órgão, sem dizer da cotidiana ausência de entusiasmo e de propósitos na execução das tarefas que são de sua atribuição. O "sistema" contribui, algumas vezes, para esse massacre, mas há casos em que a paralisia é inerente ao ser e aos seu contexto pessoal.  
Ligados no modo "automático" fazem o estritamente necessário, não se envolvem em outras atividades e nem se sentem estimulados a buscar inovações ou experimentar novos desafios no campo profissional. 
Os sentimentos de pertencimento e de identidade são quase inexistentes, salvos pelos crachás e funcionais que lhes pesam como grilhões nos bolsos e pescoços. Acostumados ao voluntário cárcere, arrastam orgulhosos seus lamentos e ais pelos corredores dos órgãos e não cogitam sequer mudar de vida e dar espaço para que outros possam ocupar aquele posto de trabalho.....são tantos esperando para serem nomeados e finalmente tomar posse em um cargo público, disputado em concursos cada vez  mais difíceis e escassos.
Esse calvário transforma inevitavelmente qualquer trabalho num castigo e, antes de imputar a fatores externos a culpa pelo martírio diário, há que se fazer uma varredura interna para descobrir se a razão de tanta insatisfação não é fruto de um descontentamento do ser consigo mesmo, sombra que acompanhará a pessoa onde quer que ela vá, do chão da fábrica à cadeira da presidência da corporação.    
Enfim, essa reflexão não veio por acaso, tem muito do meu dia e também, pelo contraste da narrativa, remete ao belíssimo texto do filósofo e poeta árabe, Khalil Gibran, inserido na obra O Profeta, que li dias atrás e onde ele sustenta que o trabalho é o amor tornado visível. 
A obra é conjunto de meditações poéticas sobre diversos temas e, em determinado momento um fazendeiro lhe pede que fale sobre o trabalho. Ele assim responde:
".... E todo trabalho é vazio, exceto quando há amor;
E quando trabalham com amor se aproximam de si mesmos, e uns dos outros, e de Deus.
E o que é trabalhar com amor?
É tecer uma roupa com os fios do coração, como se aqueles que amam fossem vesti-la.
É construir uma casa com afeto, como se aqueles que amam fossem morar sob esse teto.
É plantar sementes com ternura e colher com alegria, como se aqueles que amam fossem comer desse fruto.
É preencher tudo o que criarem com o sopro de seu próprio espírito,
E saber que todos os que se já se foram os observam neste momento". 

Bem-aventurados os que trabalham com prazer e alegria! Dormem em paz e com a consciência tranquila, pois apesar de todas as dificuldades e obstáculos, não deixam de desempenhar da melhor forma possível as suas tarefas!