Há tempos venho observando o quanto o trabalho pode ser um fardo penoso para algumas pessoas a ponto de adoecê-las, diminuindo sensivelmente sua produtividade e, invariavelmente, impactando negativamente o ambiente corporativo e a todos que, de alguma forma, lidam com indivíduos desmotivados e sem perspectivas.
A desmotivação pode estar alicerçada em diferentes causas, desde a insatisfação com as tarefas a serem desempenhadas, ausência de contrapartida financeira adequada, até a sensação de impotência em exercer determinadas atividades que não geram resultados perceptíveis no contexto social, o famoso "enxugar gelo". Não se discute que há muitas situações que abalam o entusiasmo de qualquer cristão contudo, manter um contínuo padrão mental de insatisfação é que são elas.
Ao mesmo tempo em que se percebe uma total falta de sintonia e de conexão entre quem faz com aquilo que se faz, também salta aos olhos o quanto pessoas infelizes com as funções que desempenham não se movimentam para buscar uma atividade gratificante e que lhe tragam mais prazer e possam expandir as suas potencialidades.
Em mais de 30 anos de serviço público tenho convivido com servidores que encontram-se em situação semelhante, desmotivados e sem grande aderência aos compromissos e às missões do órgão, sem dizer da cotidiana ausência de entusiasmo e de propósitos na execução das tarefas que são de sua atribuição. O "sistema" contribui, algumas vezes, para esse massacre, mas há casos em que a paralisia é inerente ao ser e aos seu contexto pessoal.
Ligados no modo "automático" fazem o estritamente necessário, não se envolvem em outras atividades e nem se sentem estimulados a buscar inovações ou experimentar novos desafios no campo profissional.
Os sentimentos de pertencimento e de identidade são quase inexistentes, salvos pelos crachás e funcionais que lhes pesam como grilhões nos bolsos e pescoços. Acostumados ao voluntário cárcere, arrastam orgulhosos seus lamentos e ais pelos corredores dos órgãos e não cogitam sequer mudar de vida e dar espaço para que outros possam ocupar aquele posto de trabalho.....são tantos esperando para serem nomeados e finalmente tomar posse em um cargo público, disputado em concursos cada vez mais difíceis e escassos.
Esse calvário transforma inevitavelmente qualquer trabalho num castigo e, antes de imputar a fatores externos a culpa pelo martírio diário, há que se fazer uma varredura interna para descobrir se a razão de tanta insatisfação não é fruto de um descontentamento do ser consigo mesmo, sombra que acompanhará a pessoa onde quer que ela vá, do chão da fábrica à cadeira da presidência da corporação.
Enfim, essa reflexão não veio por acaso, tem muito do meu dia e também, pelo contraste da narrativa, remete ao belíssimo texto do filósofo e poeta árabe, Khalil Gibran, inserido na obra O Profeta, que li dias atrás e onde ele sustenta que o trabalho é o amor tornado visível.
A obra é conjunto de meditações poéticas sobre diversos temas e, em determinado momento um fazendeiro lhe pede que fale sobre o trabalho. Ele assim responde:
".... E todo trabalho é vazio, exceto quando há amor;
E quando trabalham com amor se aproximam de si mesmos, e uns dos outros, e de Deus.
E o que é trabalhar com amor?
É tecer uma roupa com os fios do coração, como se aqueles que amam fossem vesti-la.
É construir uma casa com afeto, como se aqueles que amam fossem morar sob esse teto.
É plantar sementes com ternura e colher com alegria, como se aqueles que amam fossem comer desse fruto.
É preencher tudo o que criarem com o sopro de seu próprio espírito,
E saber que todos os que se já se foram os observam neste momento".
Bem-aventurados os que trabalham com prazer e alegria! Dormem em paz e com a consciência tranquila, pois apesar de todas as dificuldades e obstáculos, não deixam de desempenhar da melhor forma possível as suas tarefas!