sábado, 28 de janeiro de 2012

Vizinhos: ilustres desconhecidos.


Boa parte dos conflitos que desaguam no Juizado Especial Criminal nascem da dificuldade que as pessoas têm de relacionarem-se entre si, o que gera as desavenças familiares, os desentendimentos entre vizinhos, as rusgas profundas entre colegas de trabalho.
Realmente não é fácil a convivência com o outro, contudo, somos animais visceralmente sociais e precisamos do outro para sobreviver, nem que seja só para devorá-lo!!!!!
Brincadeiras à parte, diante da incontestável dificuldade de conviver com outro, segue abaixo um texto muito interessante que propõe uma reflexão sobre os nossos desconhecidos e distantes "vizinhos".

Um muro de enorme distância
by sociadalight.blogspot.com

Outro dia uma conhecida convidou para visitar a casa dela. Lindo prédio, maravilhoso apartamento, daqueles com mil cômodos, salões coletivos de tudo quanto é coisa, quadras, piscinas, pistas de caminhada... devia ter até um portal mágico pro paraíso, mas esse eu não vi. Lá pelo meio do já manjado "tour-pela-casa-nova-não-repara-a-bagunça", a moça me diz assim: "é uma delícia aqui. São dois por andar, mas as entradas são independentes e eu nem vejo quem mora ali ao lado".

Ela não disse por mal, claro. É uma ótima pessoa, muito gentil e generosa. Ela só quis dizer que a privacidade do lugar era mesmo um espetáculo. Eu até aceito que muito adorem isso, essa separação de entradas, paredes desconectadas, muros altos e a chance de jamais saber que cara tem o vizinho. Aceito, mas não entendo bem.

Pra maioria de nós, o vizinho é o humano não-família mais próximo que existe. O núcleo familiar de fato fica ali, dentro da residência, mas o restante dos parentes mora em outras ruas, bairros, cidades e até estados e países. Eu, por exemplo, estou a 33km em linha reta ou 1h20 de tráfego intenso da casa da minha mãe. Se me faltar um ovo pro bolo já batido ou se me dá um troço nas costas, adianta nada ligar lá pra santa mãe, viu... Até ela checar, o bolo já desandou e o travamento ortopédico pode me deixar pra sempre com a postura do Quasímodo.

A pessoa mais próxima, aqui ao lado, é o Marcelo. Marcelo é meu vizinho de porta, é artista famoso, toca muitos instrumentos e reclama bastante das portas que o povo do prédio deixam abertas. Marcelo também viaja muito se apresentando, então não contamos um com o outro pra coisas práticas. Mas sempre batemos um papo sobre música, sobre o Rio de Janeiro, sobre o calor/frio horrendo que vem fazendo.

Saber que cara o Marcelo tem, como o cabelo dele fica zoneado de manhã (ó, eu só sei porque às vezes nos vemos quando eu vou tirar o lixo, hein?!) ou o que ele acha das UPPs não compromete em nada a minha privacidade. Eu sei algo dele, ele sabe algo de mim e, precisando, temos os telefones um do outro - pra caso de "Flávia, seu apartamento virou uma bola de fogo!", quem sabe.

Além do Marcelo tem a Dona Lucy, que mora aqui abaixo e já recebeu muita encomenda pra mim (e eu pra ela). Tem a Flávia, que divide o apê com a Juliana, e são duas meninas fofas e que recebem amigos bonzinhos que não fazem farra. Tem a Isabel, seu marido e seus três cãezinhos no térreo, vizinha de porta com a Rosinha e o Jefferson, dois figuras de marca que às vezes queimam o almoço de domingo por estarem ligados no futebol.

Eu sei algo dos meus vizinhos, de seus hábitos, de seus gostos e suas vidas no geral. Não precisamos ver uns aos outros de pijama - mas já até aconteceu. Não é questão de um se meter na vida do outro ou invadir espaço, mas somos uma coletividade, não tem como negar.

Eu sei qual TV a cabo eles assinam, qual banco utilizam e onde compram roupas - tudo pela mesa de correspondência. Sei algumas músicas que escutam, sei uns paus que rolam quando brigam, sei que carro dirigem (e como estacionam mal na garagem, putz...). Saber tudo isso, saber os rostos deles e estar aqui caso dê uma grande merda faz parte de sermos uma comunidade. Eu acho bom isso.

Antigamente algumas pessoas viviam em vilas e partilhavam tanto xícaras de açúcar quanto a hora de olhar as crianças brincando na rua. Todo mundo estava ali pra todo mundo, as casas mantinham portas abertas e janelas boas pra apoiar o cotovelo e trocar uma ideia. Hoje quase não se trocam mais ideias. E se o vizinho de condomínio toca a campainha pra pedir um sonrisal, já é motivo pra pânico.

Uma besteira isso. Nós, pessoas, dependemos umas das outras. E se existem pessoas que podem acompanhar nossa rotina de perto nas horas boas e ruins - e ainda regar nossas plantas e evitar que elas virem pó seco -, são os vizinhos. Quando dá um xabu federal, por exemplo, é importante a gente saber quem mora ao lado. Por exemplo: há um ano aquele rapaz que está com prisão decretada por ser suspeito principal de mandar matar a ex-namorada, a advogada Mércia Nakashima, está foragido. Foragido onde, eu me pergunto. Em Atlântida?

Onde quer que esse sujeito esteja, ele tem vizinhos. Ele precisa receber comida, roupas, ajuda. Alguém poderia olhar pra casa ao lado e notar o homem, por favor?

Meninos e meninas são sequestrados e passam ANOS na casa ao lado - e quando a polícia finalmente se toca, os vizinhos vêm com aquele "nossa, eu nunca reparei". Não se trata, de novo, de bisbilhotice. Se trata de interesse pelo outro e por nós mesmos.

Custa nada, quando chega um vizinho novo, ir lá levar um bolinho, uma violeta. É o convite pra uma relação ótima, seja o vizinho aqueles que flutuam pela casa quietos como a brisa, seja o vizinho baterista do Korn. Formar uma boa relação, próxima e sadia, é bom até pra isso: pra ter a liberdade de ligar lá em cima um dia e dizer "Temístocles, abaixa essa merda de rádio que eu não aguento mais a Ivete Sangalo cantando dentro em minha mente? Brigada, lindo, te adoro!".

A palavra vizinho vem do latim vicinus e quer dizer "que vive perto" ou "próximo". Eu sou a favor de sempre conhecer o próximo.

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Doida ou Santa

“Estou no começo do meu desespero e só vejo dois caminhos: ou viro doida ou santa”.
São versos de Adélia Prado, retirados do poema A Serenata. Narra a inquietude de uma mulher que imagina que mais cedo ou mais tarde um homem virá arrebatá-la, logo ela que está envelhecendo e está tomada pela indecisão - não sabe como receber um novo amor não dispondo mais de juventude. E encerra: “De que modo vou abrir a janela, se não for doida? Como a fecharei, se não for santa?”
Adélia é uma poeta danada de boa. E perspicaz. Como pode uma mulher buscar uma definição exata para si mesma, estando em plena meia-idade, depois de já ter trilhado uma longa estrada onde encontrou alegrias e desilusões, e tendo ainda mais estrada pela frente? Se ela tiver coragem de passar por mais alegrias e desilusões - e a gente sabe como as desilusões devastam - terá que ser meio doida. Se preferir se abster de emoções fortes e apaziguar seu coração, então a santidade é a opção. Eu nem preciso dizer o que penso sobre isso, preciso?
Mas vamos lá. Pra começo de conversa, não acredito que haja uma única mulher no mundo que seja santa.. Os marmanjos devem estar de cabelo em pé: como assim, e a minha mãe??? Nem ela, caríssimos, nem ela.
Existe mulher cansada, que é outra coisa. Ela deu tanto azar em suas relações que desanimou. Ela ficou tão sem dinheiro de uns tempos pra cá que deixou de ter vaidade. Ela perdeu tanto a fé em dias melhores que passou a se contentar com dias medíocres. Guardou sua loucura em alguma gaveta e nem lembra mais.
Santa mesmo, só Nossa Senhora, mas cá entre nós, não é uma doideira o modo como ela engravidou? (não se escandalize, não me mande e-mails, estou brin-can-do).
Toda mulher é doida. Impossível não ser. A gente nasce com um dispositivo interno que nos informa desde cedo que, sem amor, a vida não vale a pena ser vivida, e dá-lhe usar nosso poder de sedução para encontrar 'the big one', aquele que será inteligente, másculo, se importará com nossos sentimentos e não nos deixará na mão jamais. Uma tarefa que dá para ocupar uma vida, não é mesmo? Mas, além disso,temos que ser independentes, bonitas, ter filhos e fingir de vez em quando que somos santas, ajuizadas, responsáveis, e que nunca, mas nunca, pensaremos em jogar tudo pro alto e embarcar num navio-pirata comandado pelo Johnny Depp, ou então virar uma cafetina, sei lá, diga aí uma fantasia secreta, sua imaginação deve ser melhor que a minha.
Eu só conheço mulher louca. Pense em qualquer uma que você conhece e me diga se ela não tem ao menos três dessas qualificações: exagerada,dramática, verborrágica, maníaca, fantasiosa, apaixonada, delirante.Pois então. Também é louca. E fascina a todos.
Todas as mulheres estão dispostas a abrir a janela, não importa a idade que tenham. Nossa insanidade tem nome: chama-se Vontade de Viver até a Última Gota. Só as cansadas é que se recusam a levantar da cadeira para ver quem está chamando lá fora. E santa, fica combinado, não existe. Uma mulher que só reze, que tenha desistido dos prazeres da inquietude, que não deseja mais nada? Você vai concordar comigo: só sendo louca de pedra.'
Martha Medeiros