Quem ouve o
Ouvidor?
Sobre ouvir quem
ouve o cliente/usuário.
Ouvir é entender, perceber não só pelo sentido do ouvido
fisiológico, através da audição, mas prestando atenção, escutando com os ouvidos
mais apurados, atentos ao que o outro fala.
Feita essa digressão inicial, tem-se que é mais fácil ouvir
(e perceber) aqueles fenômenos que contam com um grau maior de familiaridade e
proximidade conosco. Ouvir aquilo que já faz parte da rotina e do senso comum
exige menos esforço do que ouvir algo diferente.
Nessa linha, pessoas e Organizações desenvolvem rotinas para
lidar com os estímulos que são mais frequentes e familiares. Em geral, há
várias estratégias tradicionalmente estabelecidas para assimilar e processar
essas vozes conhecidas e contemplá-las (ou não) durante os processos de tomada
de decisões.
O verdadeiro e grande desafio é ouvir quem não costuma ser
ouvido, dar prova de atenção e de escuta. Quem atua como Ouvidor cumpre essa
função em relação à Organização da qual faz parte e o seu esforço está direcionado
a um objetivo bastante específico: fazer com que mais e diferentes pessoas
sejam ouvidas pelos atores corporativos.
Outrossim, muitas vezes a parte mais complexa (e difícil) do
trabalho do Ouvidor começa quando o tratamento da manifestação termina, ou
seja, quando após ouvir o cliente/usuário, dá encaminhamento à sua demanda,
enviando-a para os setores responsáveis para resposta e resolução do problema.
É nesse momento que o Ouvidor precisa se fazer ouvir dentro
da Organização, trabalhar o resultado do “ouvir externo”, para que as
percepções colhidas possam ser assimiladas e incorporadas pelos gestores em
suas decisões.
Para muitos, se fazer ouvir dentro da Organização é bem mais
complexo do que ampliar os espaços de diálogo e nele incluir diferentes
públicos, ouvindo-os de forma produtiva e qualificada. São duas arenas que
pedem competências e habilidades distintas, uma vez que o processo de persuasão
interno é uma órbita paralela, com um sistema de engrenagens que nem sempre é
dominado ou é favorável ao Ouvidor.
Cabe ressaltar que a Ouvidoria é essencialmente um locus
de escuta e diálogo, onde se exercita a arte do relacionamento conjugada com a
visão sistêmica do ambiente corporativo em que ela está inserida, a partir do
domínio profundo da Organização, dos seus públicos (stakeholders), das suas
estruturas e dos seus processos de trabalho.
Ocorre que, em Organizações cujo índice de maturidade
democrática (transparência e accountability) está aquém do desejado, bem
como naquelas em que a Alta Administração opta por modelos de gestão
organizacional que desconsidera o valor do que os seus públicos (interno e
externo) têm a dizer, há pouca ou nenhuma disponibilidade para a compreensão da
Ouvidoria como sinônimo de parceria na costura das relações socioeconômicas e
na abertura para a diversidade de diálogos. Ou seja, o ato de escutar o Ouvidor
é meramente simbólico.
Numa época em que a palavra do dia no mundo corporativo
envolve a implantação de políticas com foco no cliente/consumidor (customer
centric), há que se desenvolver estratégias eficientes para o êxito dessa
abordagem e muitas delas envolvem a manutenção de canais de Ouvidoria efetivos
e a escuta do Ouvidor, figura primordial que identifica novas oportunidades,
sinaliza pontos de atenção, antecipa ações que podem aumentar o índice de
satisfação do cliente e agrega confiança a cada etapa da jornada de consumo.
Nessa linha, como o Ouvidor pode se fazer ouvir e assim construir
um relacionamento sólido com os demais atores corporativos, de forma a
reverberar dentro da Organização as vozes nele personificadas?
Dito de outra forma, como envolver as demais estruturas
organizacionais no processo comunicacional instaurado pela Ouvidoria a fim de
dar respostas mais ágeis e eficientes para todos que se valem dessa arena
dialógica para terem suas falas validadas?
Essa jornada em busca de engajamento passa, necessariamente, pela
missão de fazer com que o público interno compreenda as atribuições da
Ouvidoria e a sua função estratégica dentro da Organização, reafirmando o papel
do Ouvidor e de sua equipe como aliados e parceiros dos demais gestores e
colaboradores, sempre prontos para contribuir e agregar valor aos projetos e
ações de outros setores.
De igual sorte, a aderência ocorrerá na medida que todos que
atuam em ambiente de Ouvidoria vivenciem os propósitos que servirão como
argumento para engajar e encantar os colaboradores de outras áreas,
estabelecendo para tanto uma comunicação clara, simples e assertiva, inclusive
no que tange aos produtos/serviços oferecidos pela Ouvidoria, seus resultados e
impactos diretos na cultura, na produção, na qualidade dos serviços e na
reputação da Organização.
Criar esse círculo positivo e virtuoso em relação ao trabalho
desenvolvido pelo Ouvidor e sua equipe não é uma tarefa simples, porém além de envolver
e dar a oportunidade para que o público interno se engaje nos propósitos expressamente
comunicados, é um eficiente mecanismo para superar e descontruir resistências e
antagonismos que eventualmente possam existir (ou persistir) em relação ao
setor ou seus integrantes, pois a conexão constante e qualificada com os demais
atores internos e a disposição em apoiar seus projetos, contribuem para a
geração de benefícios para todos os envolvidos e para a manutenção de um ecossistema
favorável à Ouvidoria.
Em tempos tão conturbados como o atual, não é por acaso que
as palavras inovação e empatia são tão utilizadas, reforçando a ideia de que é
preciso avançar e apostar não só em ferramentas tecnológicas mas,
principalmente, no aprimoramento das competências conversacionais e dos
processos comunicacionais, lembrando que a experiência/jornada do cliente/usuário
é o novo campo de batalha do mundo corporativo, gerando impactos e determinando
a ampliação ou a retração do nível de influência da Organização no segmento em
que atua.
Ninguém é Ouvidor de si mesmo e por ser a personificação da
Organização e um dos seus maiores especialistas, aquele que costura e restaura
relações e propósitos internos e externos, não é concebível que a sua voz, que
a tantas outras representa, não ecoe nas entranhas organizacionais e não tenha
espaço de reconhecimento e consideração.
Não ouvir o Ouvidor é o mesmo que ter ouvidos moucos para a
voz do consumidor dos seus produtos, do usuário dos seus serviços e do colaborador
da sua empresa, matando um pouco a cada dia as oportunidades de sucesso do seu
negócio, destruindo paulatinamente a reputação da sua Organização e a confiança
dos seus públicos.